Yury Hermuche é músico, escritor e idealizador do projeto Firefriend, uma banda de rock alternativo psicodelico com shoegaze formada em São Paulo. Nesta entrevista você conhecerá o trabalho do Yury, a Firefriend, e o que faz esse projeto acontecer.
Olá Yury! Pra quem ainda não conhece o seu trabalho, o que você faz?
Eu uso tudo o que tenho ao redor para fazer discos, livros e videos. É o que tenho feito desde que comecei a me interessar por coisas diferentes daquelas que dominam a paisagem.
E como funciona seu processo de criação?
Não há um processo específico, o mundo é muito dinâmico e a qualquer momento e de qualquer lugar pode vir uma ideia interessante ou um devaneio com potencial para te levar a um lugar novo, não é verdade? Mas eu gosto muito de ver e ouvir o que as pessoas dizem, fazem, como elas se viram por aí. Essa semana eu soube o que está acontencendo em Calais, na França, a forma como os Europeus estão lidando com os imigrantes da Siria; o mundo está tão conectado... esses movimentos de direita na Europa e no Brasil são reflexos de uma mesma sombra que está liquidificando a cultura em todas as partes, e isso tem uma influência tremenda em todos nós.
Então eu gosto de olhar para essas coisas e criar pontes com a nossa vida cotidiana, banal. É disso que são feitos esses livros, discos e videos.
E esses materiais de diferentes plataformas criados por você, se interligam entre si?
Lancei um livro em 2013 chamado "Anti-heróis & Aspirinas". Trouxe para o Firefriend, a banda que tenho com a Julia Grassetti e o Caca Amaral, na época a Juliana R também tocava conosco, e fizemos uma trilha sonora para o livro. Foram lançados juntos. Desde então, recebi vários comentários de pessoas que leram e ouviram ao mesmo tempo, como acharam interessante aquilo. Hoje em dia as ferramentas estão à disposição, é fácil cruzar fronteiras e explorar de forma variada as possibilildades de expressão com um mesmo laptop você pode fazer tudo, a dinâmica é a sua linguagem, a linguagem que você quer investigar.
O que possibilita sempre trazer algo novo. Quantos trabalhos a Firefriend já possui? E são todos na mesma vibe desse que você citou?
O Firefriend existe há 10 anos, acabamos de lançar nosso décimo disco. Cada um tem uma onda diferente, porque nós mudamos nesse meio tempo, a música mudou, o país mudou, o mundo mudou.
Este novo disco chama-se NEGATIVE SUN, é o nosso relato sobre viver esses anos tão loucos. Acho que vivemos um dos momentos mais interessantes da história, onde há tanta informação e tanta ignorância simultaneamente. Quero dizer, o homem já foi à Lua, exploramos todos os planetas do sistema solar, sabemos dividir um átomo em partículas cada vez menores, mas ainda estamos discutindo abortos, as religiões ainda dominam o discurso público sobre a saúde e a cultura, como na idade média industrializamos a violência — quando era melhor explorar o potencial de cada um para fazer coisas cada vez mais interessantes, preferimos nos destruir e nos odiar mutuamente. Vivemos um mundo surreal. Encarar isso pode render arte muito boa.
É uma excelente forma de aproveitar o momento, por assim dizer. Por esta razão, o NEGATIVE SUN pode ser considerado algum dia no futuro, um album datado?
Eu não conheço nenhum album que não seja datado, mas conheço álbuns datados que falam de questões humanas que atravessam o tempo e algumas dessas questões são realmente bem interessantes.. Como por exemplo... O seu lugar no mundo. A forma como você vê o outro, como vê o mundo e o seu lugar nele.
É algo que se torna particular, uma forma de documentar o período. Como foi a participação dos outros membros na constituição desse album? Como vocês trabalham juntos?
Julia e eu chegamos com temas, composições mais ou menos estruturadas, e ficamos tocando isso por meses seguidos com o Caca, seja em ensaios ou shows, explorando possibilidades e interpretando o material. Quando finalmente ficamos satisfeitos com a forma, gravamos e conversamos bastante sobre tudo enquanto tocamos, enquanto bebemos, enquanto viajamos por aí. Este disco foi feito assim. quando passamos por Recife no final do ano passado, ele estava tomando forma. E a viagem entre Recife e Fortaleza foi essencial para que ele tivesse essa cara. Porque deu uma noção — que precisamos explorar mais e mais — de como é importante se aventurar por aí, de viajar e conhecer pessoas e lugares novos, se expor a situações que você não tem controle.
Se estas experiências não tivessem ocorrido, o quão diferente você acha que ficaria o NEGATIVE SUN?
Muito diferente, porque acho que naturalmente colocamos nossas vivências no que fazemos. É por isso que o disco é diferente do que está na moda, não seguimos moda, não nos interessamos pela moda, não nos interessamos pelos moldes plásticos, mas pela vivência, pela experiência, pela descoberta. Assim são sempre os discos que mais ouvimos em casa.
A arte que mais interessa é essa que tem vivência.
Que é a melhor forma de trazer algo novo. Materiais influenciados por modas e tendências estão aos montes por aí. Mas o que cada um vive, é único. Qual a diferença desse trabalho para os anteriores.
Acho que cada um encontra a sua forma de trazer algo novo, mas para nós sair da zona de conforto é sempre estimulante. Lidar com situações ou estrutura precária, por exemplo, pode ser altamente positivo para a criatividade. Os discos anteriores foram gravados em estúdios caros. Desta vez montamos nosso próprio estúdio na garagem e gravamos com os microfones e equipamentos baratos que temos. É muito bom poder fazer algo assim.
Imagino que deva se sentir mais a vontade. Pretendem realizar os próximos albuns dessa mesma forma?
Com certeza.
E já tem algo pensado para próximos trabalhos?
Nós acabamos de lançar esse disco e eu só consigo pensar na próxima vez que vamos tocar em Recife. Não sei quando vai acontecer, mas sei que vai acontecer e será muito legal
Me avise, que dessa vez eu irei. Como está sendo a repercussão do album novo?
Devagar, mas está sendo positiva. Uma rádio FM de Ottawa no Canadá tocou 2 músicas, alguns amigos adoraram. Sábado vamos fazer o primeiro show de lançamento, vamos ver como as pessoas encaram
O que mais já tem planejado para a divulgação?
Shows, queremos mostrar a banda ao vivo, em todos os lugares. É uma forma de fazer o disco viajar também. (http://www.firefriend.com/shows.php)
E de material extra relacionado ao disco? Tem algo pra sair?
Nós estamos preparando vídeos para as músicas, como este aqui que acabou de sair:
É bem divertido fazer videos, este aí foi feito no mesmo laptop barato onde o disco foi gravado e mixado
Você prefere então ser Lo-Fi?
Acho que você pode produzir trabalhos bem interessantes com o que tem ao alcance. Vivemos uma época em que há um olhar cuidadoso para a expressão e para a linguagem, que no meu ponto de vista são mais estimulantes do que a qualidade técnica padrão de um trabalho. Você pode fazer fotos excepcionais com uma câmera qualquer, mas precisa dominar sua linguagem. Isso dá muita liberdade. Vivemos no Brasil, não fabricamos os melhores equipamentos, então é tudo importado e caro — as condições estruturais são precárias ou muito caras. Mas há criatividade, e ela não pode ficar presa ao dinheiro, ela pode explorar todos os caminhos.
Uma ultima pergunta. Que dica você daria pra quem tá começando?
Dedique-se ao que gosta, viaje muito e não se preocupe com modas. Não assista TV, leia muitos livros e converse muito com as pessoas.
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