Coletânea Recife Lo-Fi (Foto: Bruna Rafaella/ Divulgação)
Viver de arte, de música, é uma tarefa árdua no Brasil. Poucos conseguem deslanchar rapidamente, como foi o “chuá” de Carmen Miranda no mundo. Primeiro por que não possuímos uma elite intelectualizada apoiando as artes, ficamos à mercê do crivo governamental das leis de incentivo à cultura. Depois, estamos fora do eixo Centro- Sul e já não existe a Rozenblit como alternativa regional.
Nos anos 50, a Fábrica de Discos Rozenblit rompeu o monopólio das grandes gravadoras. Graças ao gênio empreendedor de José Rozenblit, a música popular brasileira enriqueceu com os registros fonográficos dos ritmos nordestinos. “No tempo da Rozenblit tínhamos realmente oportunidade para os cantores, autores e compositores pernambucanos”, afirmou Claudionor Germano. Agora, na adversidade, a ideologia punk do “Do it yourself” (“Faça você mesmo”) toma a cena musical recifense – e quando falo de cena, englobo toda a nossa rica diversidade musical.
Com o espírito de fazer como se pode, o cantor Zeca Viana organizou a Coletânea Recife Lo-Fi Volume I, em formato virtual, reunindo a produção de 21 músicos recifenses. As gravações foram feitas de forma caseira ou em pequenos estúdios, sem muita produção nem verba – daí vem a denominação, e modo de fazer, Lo-Fi. “Tenho muitos amigos que gravam em casa, sem se preocupar muito em buscar “texturas” específicas, maiores produções no trabalho de captação. Pensamos que seria legal ter um espaço para essas gravações que muitas vezes ficam encostadas. O que realmente importa é essa necessidade de fazer, criar, registrar, o “faça-você-mesmo”", comenta Zeca Viana.
Apesar das gravações serem caseiras, e algumas bandas praticamente desconhecidas pelos próprios recifenses, a turma prova que dá pra coisa. Entres os selecionados para o volume I, destaco o eletrônico super dançante da banda Júlia Says. “Os sons eletrônicos são interessantes e abrem espaço na medida em que são feitos de forma “orgânica”, no sentido de verdadeira. Voltando a Recife posso falar também do Diversitrônica que faz um trabalho muito bacana”, comenta Zeca. Jean Nicholas com a música “O vento Sopra”; Gigantesco Naval Elétrico, Matheus Mota, D Mingus com um som bem intimista e o organizador Zeca Viana, com “Pra lá de Marrakech”.
As mulheres têm presença tímida na Coletânea, o que não reflete a produção musical das mesmas na cena recifense. Apenas Milla Bigio, Lulina e Lina Jamir, que segundo Zeca é uma das revelações da coletânea, estão no Volume I. “Existem muitas mulheres que empurram as fronteiras da música pernambucana. Podemos citar Karina Buhr, Catarina Dee Jah, Bê Formiga, Juliana Orange, Isaar. O que aconteceu foi que, imediatamente, convidei as minhas amigas mais próximas. Provavelmente no Recife Lo-fi Volume II esse número será maior”, afirma.
Baixe a coletânea aqui: http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?id=97492
FESTA DA COLETÂNEA A Coletânea Recife Lo-fi será lançada sexta-feira (05/02) no Quintal do Lima (Rua do Lima, nº 100, Santo Amaro), a partir das 21h. Com show de Zeca Viana & O Conjunto Imaginário (composto por Gleisson Jones na bateria, Fernando Barreto no baixo, Zé Mário na guitarra e D Mingus na flauta e efeitos), Ex-Exus, Gleisson Jones e Julia Says. A discotecagem fica por conta de D Mingus, Vivi Menezes, Mucuri e Jamerson de Lima. Ingresso: R$ 5.
PARTE DA ENTREVISTA COM ZECA VIANA
Zeca, essa história de Lo-Fi soa bem roquenrou, não achas? Ultimamente os sons são muito lapidados, mexidos. Gravar em estilo caseiro beira o ao vivo, um som mais desprovido de regras. O nome caiu como uma luva ou a idéia foi justamente reunir sons no estilo?
Na verdade foi um pouco de cada coisa. Tenho muitos amigos que gravam em casa, sem se preocupar muito em buscar “texturas” específicas, maiores produções no trabalho de captação, etc. Outros, apesar de também gravar em casa, buscam uma perfeição maior no sentido de agregar “midis”, programações, diminuir ruídos, etc. O que realmente importa é essa necessidade de fazer, criar, registrar, o “faça-você-mesmo”. Talvez você quis dizer isso com roquenrou… A idéia é bem essa. É um “lo-fi” mais ideológico do que técnico. Não estou preocupado com as taxas de transferências de Hz ou Bits. O barato é abrir fronteiras para gravações desapegadas do “formato profissional”, do cheiro dos estúdios de altas cifras. É ótimo também gravar em estúdios bons, com produtores competentes, não pregamos uma negação aos “estúdios profissionais”. Só pensamos que seria legal ter um espaço para essas gravações que muitas vezes ficam encostadas. Por isso eu digo que essa é uma coletânea para “músicas” lo-fi, e não, “músicos” lo-fi.
Estive pensando no ambiente em que os artistas contemporâneos estão criando. Nas grandes metrópoles, trancados em quartos, dentro de caixas, longe do ar livre, da natureza. Como você acha que esse meio está influenciando as criações?
Moro na mesma casa desde os quatro anos de idade e nunca me senti longe da natureza. Desde criança me tele transporto para um mundo particular, no meu quintal com estrelas, com um cachorro e um beija-flor. Mesmo hoje morando em São Paulo esse quintal faz parte de mim onde quer que eu vá. É lá onde estão minhas memórias mais remotas, onde estão meus pais brincando comigo, onde sinto cheiro de chuva, onde brinco na grama. Tenho uma música chamada Quintal Sideral, fala um pouco disso. Mas cada artista trás dentro de si seu próprio mundo, com suas próprias referências, e elas estarão instaladas em qualquer espaço físico, por que elas não são físicas. Lulina tem a Lulilândia onde espalha suas referências entre minhocas, conversa com baratas e brinca com E.T´s. Gleisson Jones vai lançar seu primeiro trabalho intitulado “Urbano, Demasiado, Urbano” que fala sobre ruas reais da cidade e personagens que podem muito bem existir. Cada um instala um mundo, instala memórias.
Porque você faz poucos shows na cidade?
Atualmente moro em São Paulo, o que dificulta um pouco vir tocar por aqui. Mas já fiz alguns shows, com formato mais intimista, sem bateria, algo para um publico menor. Em São Paulo fiz a estréia de um formato novo chamado Zeca Viana & O Conjunto Imaginário, onde convido músicos para me acompanhar no baixo, bateria e guitarra. Ficou muito bacana, adorei a ideia de um ritmo mais acentuado, marcado. Farei os primeiros shows em Recife com esse formato no Grito Rock Recife (dia 04 de fevereiro) e no lançamento da coletânea Recife Lo-fi (dia 05 de fevereiro) no Quintal do Lima.
Das bandas presentes na coletânea, só vi anúncios de shows da Ex- Exus, Julia Says e Candeias Rock City. Porque os demais não se apresentam? Falta profissionalismo? Falta divulgação? Falta confiança para sair do quarto para os palcos?
Pra falar a verdade, esses últimos seis meses não tenho acompanhado os shows na cidade por estar morando em São Paulo. Na coletânea temos alguns artistas que nunca fizeram shows. Espero que esse projeto possa abrir portas para que isso aconteça. Os motivos de um artista não se apresentar com determinada frequência podem ser vários. Música não é uma profissão muito “segura” financeiramente, nem muito fácil. Pra sair por aí tocando, ensaiando, se articulando, é necessária certa estrutura prévia de trabalho no meio, na realização de contatos, etc. Temos poucos locais abertos que tem peito de “apostar” em bandas/artistas que são pouco conhecidos. Muitas vezes a banda tem que bater o escanteio e correr pra cabecear! Realizar várias tarefas que estão além de compor e se apresentar.
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