Ventilador no talo
por Claudio Szynkier (matéria publicada no Trama Virtual dia 26/01/2010 )
Coletânea Recife Lo-Fi, de Zeca Viana, junta turma da pesada e visa radiografar cena caseira da cidade.
Como vamos percebendo na nossa cobertura, Recife não é um lugar de onde surgem apenas crias da cultura local e dos ícones dos anos 90 (Nação, Mundo Livre) -- não descartando-se aqui o que, mesmo dentro dessas balizas, vem com frescor (tipo Nuda). O fato é que a capital pernambucana tem uma geração de músicos de quartinho, "bedroom composers", mais orbitantes mesmo, que poderiam existir e estar em qualquer lugar do mundo: um Recife Quente, um Recife Frio, um não-Recife... Que seja.
Aquele que parece ser a mastermind dessa cena enquanto criador, Zeca Viana (um de nossos favoritos, como artista, em 2009), também é responsável por agitar, na posição de produtor, ou melhor, curador, essa movimentação meio inesperada, não exatamente contrastante ("Participam do projeto bandas/artistas muito diferentes entre si... Todo mundo se conhece, frequenta praticamente os mesmo lugares", palavras dele), mas que reafirma que a cidade, como solo musical, tem essa capacidade quase que certamente exclusiva dentro do Brasil: a de se reinventar de novas formas e de pouco em pouco tempo, ainda que uma leva/ turma de artistas tenha sempre, para legitimá-la, representantes de outras anteriores ou mesmo paralelas.
A sacada da vez é essa coletânea Recife Lo-Fi, organizada por Zeca com alguns sons dessa cultura de apartamentos (os que pudemos ouvir pelo menos, são BEM ap) numa cidade que não tem em sua iconografia frequente esse tipo de cenário. Voltada historicamente que é a um outro tipo de letargia criativa, a da praia, do calor e do mangue. Aos encontros também, que aqui não estão, nem um pouco, invalidados, pelo próprio caráter do projeto.
Confessamos mais uma vez que não conhecemos nem escutamos tudo (o caldo geral parece bem diversificado, como pontuou Zeca), mas os sons de D Mingus, Matheus Mota e do próprio Zeca são alguns em que a praia pode e a letargia podem estar lá, mas o que notamos é uma pesquisa musical mais ampla, mais interiorizada... com os ventiladores ligados: muito embora as janelas estejam abertas (para o mundo, para as histórias pessoais, para o tempo passado). Algo que realmente pode, em casos individuais ou em conjunto, sugerir (talvez até garantir) um novo frescor para o que se conhece como "som de Recife". A coletânea sai hoje, e aqui: estamos lançando-a. Falamos com Zeca, que aproveita para lançar aqui também seu próprio novo EP, basicamente uma trilha para um curta (baixe no perfil) e revelar o nome de seu próximo álbum longo. Leia e baixe tudo portanto, aqui!
No que consiste a coletânea?
Esse projeto é uma coletânea virtual com 21 nomes de Recife (ou artistas de outras cidades de Pernambuco que fincaram raízes aqui) que gravaram suas músicas em casa ou em home-studios de amigos. É uma coletânea de "músicas gravadas de forma lo-fi', não necessariamente esses artistas gravem sempre em casa, ou vice-versa, não é uma regra, mas as músicas escolhidas foram gravadas dessa forma. É algo que vem crescendo cada vez mais aqui em Recife. Venho pensando em fazer algo nesse sentido já faz algum tempo e depois dessa temporada em São Paulo, voltando para Recife, decidi reunir todo mundo nessa empreitada. Fui falando com cada um, trocando idéias e a coisa foi formando. São bandas/artistas muito diferentes, tem Johnny Hooker & Candeias Rock City, tem Jalu Maranhão, Allen Jerônimo & A Rave de Raiz, tem a Milla Bigio. Ou seja, essa coletânea é como uma breve panorâmica do vem acontecendo na cena. Mesmo com um apanhado de 21 nomes muita gente ficou de fora, o que nos faz pensar no Volume II. Aproveitamos para fazer a Festa Recife Lo-fi para lançar a coletânea e reunir esse pessoal no palco. A Festa Recife Lo-fi acontece dia 5 de fevereiro, às 22h no Quintal do Lima com shows de Gleisson Jones, Julia Says, Zeca Viana e Ex-Exus, com participações de artistas da coletânea e os Djs D Mingus (que tem uma faixa na coletânea), Jarmeson de Lima (Coquetel Molotov), Vivi Menezes e Mucuri.
Essa galera ta buscando o que exatamente?
Na verdade essa moçada tá buscando mostrar suas gravações, sair do quarto e mostrar tudo isso na mídia virtual e ao vivo, no palco. São artistas que já vem atuando isoladamente em pontos da cidade, essa coletânea serve para reunir todos, é como uma visão geral do que vem sendo gravado em casa.
No que os caras da cena lo-fi de Recife se diferem das de outras cenas da cidade? Não é tudo a mesma coisa, um monte de gente se articulando, eventualmente com ajuda institucional (via editais, etc), em nome da solidificação de alguma coisa em matéria de música & mercado? Tem alguma diferenciação séria?
Na verdade não chega a existir uma cena lo-fi, outra cena mangue, outra cena punk, metal ou glam, é tudo junto. Todo mundo se conhece, frequenta praticamente os mesmo lugares. A diferença é que muitos artistas não conseguem ter seu material gravado via edital por não ter a famosa "contrapartida social" ou não ter um "apelo regional direto", isso ganha pontos para aprovação, ou por não estarem inteirados com a estrutura desses editais. Fatores como criação de orçamento e todas essas burocracias ainda estão distantes de serem bem assimiladas pelos artistas “normais”. Tocar pelos editais às vezes é complicado porque ainda se trabalha com uma forma de "curadoria" meio anos 90. Algo como "leve seu CD e release, preencha uma ficha e etc". Muita gente que faz a máquina funcionar não faz a mínima idéia do que se passa na internet, não pesquisam música. Então recebem material de artistas que muitas vezes passam batidos. Além do fato de serem pagos cachês enormes (com pagamento muitas vezes adiantado) para artistas que vem de fora enquanto o cachê para os artistas locais é quase sempre irrisório em comparação. Isso quando pagam, o Funcultura ainda não pagou trabalhos artísticos realizado no meio do ano passado. Eles contratam os serviços do artista (incluindo artes plásticas, literatura, etc) e depois para pagar é uma novela. Então as pessoas preferem gravar em casa, tentar fazer do seu próprio jeito, produzir seus próprios shows. Mas isso, por mais trabalhoso que seja, pode tornar o trabalho ainda mais legítimo.
Quais são os pontos fortes de agrupamento artístico, e os fracos?
Na verdade o agrupamento artístico já acontece naturalmente em Recife, desde antes do Mangue é assim, na época do "udigrudi", da turma do Beco do Barato, etc. O que fizemos foi colocar tudo isso em uma coletânea virtual para que todos possam ouvir uma panorâmica do que vem sendo gravado em Recife. Os pontos fortes são vários em um projeto como esse. Como são 20 artistas envolvidos, todos podem se ouvir, se conhecer melhor, se divulgar. O público pode ouvir coisas diferentes, é uma boa forma de conhecer um pouco do que vem sendo produzido em Recife. Esse material não está à venda em lojas, livrarias ou algo do tipo.
Como foi o critério para a seleção da coletânea?
Fui entrando em contato com o pessoal que eu sabia que gravava em casa e fui selecionando de acordo com a diversidade do material. Procurei por músicas gravadas em casa ou em home studios de amigos e fiz como uma fitinha de músicas que a gente gravava para alguém nos anos 90, lembra? É uma coletânea das produções que achei mais interessantes. Tem umas mais produzidas, outras menos. Mas todas com esse toque "lo-fi" na mixagem, captação, etc.
Quem escolheu?
Escolhi muita coisa sozinho, mas alguns nomes foram indicação de D Mingus, Jarmeson de Lima (Coquetel Molotov) e Guilherme Moura (Recife Rock), que são parceiros desse projeto.
Qual a próxima coisa interessante de Recife?
É meio complicado porque tem muitas coisas boas rolando. Mas falando desse pessoal que grava em casa, eu gosto muito das coisas de D Mingus, de Jalu Maranhão e do Matheus Mota. Acho que o trabalho deles tem certa legitimidade difícil nos dias de hoje.
E a que não foi a poderia ter sido?
Várias bandas que acabaram em 2009 ou que estão na gaveta.
O que achou de ter sido aclamado por nós na eleição?
Poxa, eu levei um susto! Hahaha Ainda mais ficar nas duas listas de melhores do ano, poxa foi um presente de Natal mesmo. Venho recebendo muitos e-mails de pessoas que baixaram o disco e que tratam com muito carinho o Seres Invisíveis. Acho que só tenho o que agradecer pelo reconhecimento e espero fazer discos ainda melhores futuramente.
Qual foi o disco de 2009 pra você?
Escutei muita coisa, mas acho que ficaria com o disco do tremendão "Rock´N´Roll - Erasmo Carlos". Acho também o Carlos, Erasmo um dos maiores discos brasileiros já lançados.
E o que vem pela frente no teu projeto solo?
Acabei de lançar meu segundo trabalho solo chamado Trilha Sonora, é um EP basicamente instrumental com 4 faixas. Na verdade são trilhas que compus para um curta metragem rodado em Recife pelo diretor Leonardo Lacca. Aproveitei e lancei um EP com o material. O filme também tem participações da minha companheira, a artista plástica Bruna Rafaella, que interpreta "When I See Your Face (I get so high)" em uma das cenas. Finalmente estou tocando com uma banda de apoio que chamo de Conjunto Imaginário, tá bem legal. Faremos show dia 5 de fevereiro na Festa Recife Lo-fi no Quintal do Lima (Recife) para lançar a coletânea. Teremos algumas banda como Julia Says e Ex-Exus, acho que vai ser uma noite bem bacana. No carnaval estou esperando Lulina pra ver se a gente prepara alguma coisa e em março estaremos todos em São Paulo para dar continuidade na divulgação do Seres Invisíveis, estamos vendo datas ainda. Pretendo começar as gravações do próximo disco solo, Psicotransa, no mês de abril. As músicas estão todas prontas, toco algumas ao vivo, só falta gravar. Ah sim, criei um blog onde estou sempre atualizando minhas coisas, vídeos, textos que escrevo, tipo um diário. Tou fazendo algumas entrevistas também, tive a honra de entrevistar o Arnaldo Baptista e em fevereiro publico uma entrevista que fiz com Guilherme Arantes, duas grandes influências. No mais felicidade e bons sons em 2010.
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