Por Madgiel Araujo
Esse mês desvendamos essa linda obra de arte chamada “Aparicíon” e entrevistamos um dos nomes mais interessantes dessas férteis pradarias musicais pernambucanas. Músico, compositor e poeta, Jonatas Onofre já participou de diversos grupos e possui uma bagagem considerável com três EPs, um single, dois álbuns, além da participação na nossa coletânea Recife Lo-Fi Volume V. Dê o play no bandcamp do Jonatas e acompanhe nossa entrevista!
Vamos começar do início! Quem é Jonatas Onofre e a quanto tempo está na ativa?
Começou
pela mais difícil... quem é Jonatas Onofre? Tô procurando essa resposta
há um bom tempo. Escrevendo poesia e fazendo canção eu acho que
vou insistindo nessa busca, mas meu registro de nascimento diz que eu
sou pernambucano, de Paulista. Canto, componho e toco teclado e violão.
Nos últimos nove anos tenho trabalhado, estudado e vivido literatura e
música. Nesse percurso fiz um bocado de apresentações e gravei alguns
álbuns lo-fi. Lancei alguns livros também. Pra mim é difícil deixar essa
resposta menos caótica... Talvez as coisas que eu fiz respondam melhor
(principalmente a primeira parte da pergunta).
Como você relaciona música e literatura no seu trabalho?
No
começo havia um conflito. Eu tive uma formação muito ligada à poesia de
João Cabral e Ferreira Gullar, uma obsessão pela racionalidade, pela
contenção dos sentimentos e pelo controle quase que implacável da forma -
na verdade eu acabei radicalizando toda a carga que recebia,
principalmente de Cabral - O outro lado da coisa era a música, minha
vivência muito ligada à música religiosa, à um contato emotivo e
derramado com as visões de um sagrado digamos que: "muito específico" já
que minha família vem de uma raiz protestante. Durante muito tempo
havia uma fronteira muito clara entre as duas "vidas" - a literária e a
musical. O que fez tudo se misturar foi meu contato com a poesia dos
"Beats Brasileiros", especialmente Roberto Piva e seu poema violento e
afrontoso do lado oposto ao terreno cabralino, aquilo me seduziu
absolutamente e também minhas primeiras viagens com audições de rock
progressivo e psicodélico: Yes, Pink Floyd, Emerson, Lake e Palmer. E
claro o que eu considero o grande experimento barroco, profano, estranho
e maravilhoso da música brasil nas últimas décadas do século XX: O
clube da Esquina lançado em 72 por Milton, Lô e sua turma mineira.
Aquelas letras repletas de imagens oníricas, viagens, metáforas e outras
imagens insólitas, aquelas harmonias estranhas, as melodias parecendo
sair de alguma lembrança particular... naquilo tudo havia algum fio
secreto unindo, sinalizando muitos caminhos. Comecei a sonhar com as
possibilidades de misturar o que eu fazia na poesia com o que eu já
tinha nas músicas. Começou assim e ainda insisto na busca desse
encontro. São anos de procura e acho que só agora começo a chegar nos
lugares que eu sonhava. Devo muito aos meus parceiros. Todos eles também
poetas Zizo, Carlos Nascimento, André Monteiro, Tarcísio Neto, Luann
Ribeiro. Todos também muito assíduos, muito presentes no meu processo.
Muito disponíveis às loucuras que eu proponho.
Como você começou a produzir e dar forma ao seu trabalho?
Em
se tratando de produção musical eu sempre estive envolvido com trampos
coletivos ao contrário da literatura que naturalmente demandava
isolamento... entre 2013 e 2015 eu fiz parte de uma banda de rock
chamada projétil kamikaze, gravamos um EP que foi minha primeira
produção em parceria com Carlos Nascimento (também integrante do grupo).
A gente começava a perceber as dificuldades e manhas do que chamamos de
"mercado da música" por aqui: Desconhecidos e da periferia querendo
fazer prog só poderiam meter a cara e "correr atrás" nos moldes do "faça
você mesmo". Foi o que fizemos. Lançamos o EP e pouco depois a banda
acabou. Foi aí que eu comecei a pensar numa carreira solo - era uma
coisa que passava muito longe da minha cabeça antes... eu queria mesmo
era fazer trilhas pra peças de teatro nos moldes dos musicais de Chico
Buarque e Edu Lobo rs tinha até rabiscado algumas coisas de roteiro e
canções, mas isso não passou de um sonho adolescente. Pois bem como eu
dizia o fim do Projétil Kamikaze marcou o começo do meu projeto solo. Eu
já tinha muitas canções com Carlos, fiz mais um bocado com Zizo, depois
com André Monteiro comecei a sentir a necessidade de colocar isso em
algum lugar pra alguém ouvir, mas não tinha condições de ir pra estúdio e
ainda não manjava de captação, mixagem etc (permaneço desconhecendo
muito de tudo isso hahahaha mas vou segundo com curiosidade) Zizo foi o
cara que me deu aquele susto pra que eu metesse a cara, a gente já tinha
uma parceria na literatura, bolamos um zine juntos e depois ele musicou
um poema meu, eu musiquei um dele e fomos fazendo, fazendo... passamos
das dez canções... e tudo só ficava entre a gente foi quando ele disse:
"se não tiver um estúdio pegue um celular e grave" loucura! Mas eu vi
que só tinha aquele jeito mesmo. Pegando a atmosfera livre do zine,
aquela maneira de criar as próprias maneiras, colocar seu jeito sem
pensar nos padrões de qualidade, nas tradições castradoras... enfim: eu
que já produzia de forma independente meus zines lançando meus amigos
que escreviam, organizando sarais na porta do CAC, no Marco Zero,
enxerguei possibilidades assim na música também e comecei usando celular
mesmo. Fiz um perfil no Soundcloud e passei a postar faixas "avulsas"
lá: versões de músicas que eu curtia e coisas autorais. Gravava usando o
celular e editava bem precariamente usando programas de computador. Uma
coisa interessante é que se não fosse assim eu não teria me aproximado
do violão. Como a captação do teclado não ficava legal por causa do
barulho das teclas eu acabei tendo que gravar usando violões, tive que
bolar um jeito de me acompanhar, sacar as harmonias, adaptar. Tirar das
dificuldades alguma possibilidade, mas nunca deixar de fazer.
Como você tem visto a produção lo-fi e a música independente de forma mais geral?
Eu
encaro esse momento com certo espanto. Acho que a gente tá no coração
das contradições. Produzimos muito e numa velocidade assustadora (tem
site de divulgação que já ultrapassou a marca dos 300 álbuns de janeiro
pra cá) uma vida não é suficiente pra ouvir tudo... Selos nascem (e
morrem) diariamente, além de projetos que se repartem em dezenas de
outras iniciativas. Toda essa diversidade é nossa glória e nosso pânico.
Muitos permanecem à margem. O centro da coisa permanece quase que
intransponível. Temos alguma liberdade para produzir e acesso à meios
que nos permitem ao menos colocar no ar as obras. Alcançamos um bocado
de gente e conseguimos um ou outro espaço pra tocar, mas ter condições
de trabalho realmente dignas e que nos permitam uma vida exclusivamente
voltada pra arte ainda é um sonho. É legal conseguir driblar estado,
grandes gravadoras, produtoras... o lo-fi abre a possibilidade desse
salto com o próprio corpo e o próprio risco, mas ainda há muito
preconceito, muita visão fechada nos padrões que norteiam a produção de
música há décadas. Só o fato de você produzir dentro de casa num
ambiente totalmente desprovido do "glamour" e da mitologia de um estúdio
a obra já perde muito da atenção e do respeito. A internet é um espaço
que de certa forma possibilita a veiculação, mas nesse território de
likes e fakes o que ainda é sinceridade e fruição? O que eu acho massa
das iniciativas lo-fi é que ao mesmo tempo que rolam essas bads temos as
obras, as iniciativas e algum esforço coletivo, distante do que
costumamos chamar de "cena", mas muito ligado ao respeito à
individualidade, às propostas de cada artista por mais díspares que
sejam. Conheci outros músicos e fiz parcerias graças a essa atmosfera
que o lo-fi e a produção independente propiciam. Não sei para onde
estamos caminhando e ainda me assusta nosso desespero pela produção, mas
também não posso deixar de me entusiasmar com o fato de que as coisas
estão rolando. Quero dizer que é legal e terrível ao mesmo tempo. Essa
visão talvez se dê por um certa perspectiva exageradamente realista que
eu ainda não consegui tirar de mim hahahahaha mas é também pelo fato de
que falar sobre o presente é sempre muito arriscado.
O que você diria para quem está começando a gravar em casa agora (ou já desistindo)?
Não
acredito que exista uma fórmula, um segredo ou um caminho certeiro. É
tudo risco e incerteza mesmo. Desistir muitas vezes parece a opção mais
tentadora, mas eu acredito muito na busca, sabe? Acho que quando a gente
é movido pela procura, por essa tentativa de encontrar coisas
interessantes no meio de tanto horror, de apontar algo luminoso no
escuro desses dias ou de tocar alguém, de conversar através da arte com
gente, com outras pessoas de longe e de perto isso é o incetivo mais
forte. Acho que o que faz o artista dar o primeiro passo é a
curiosidade, a vontade de ver o novo - e quanto mais novo a gente é mais
a gente tem essa fome - mesmo nesse começo, quando sabemos pouco, ainda
não aprendemos as dinâmicas do erro, as lições do erro. Depois isso
meio que se acomoda ou pelo menos aceitamos que nunca vamos chegar nesse
lugar que antes vislumbrávamos... a gente saca que o negócio é
continuar correndo atrás e que isso é nossa alegria e nossa dor. O que
eu posso dizer à essa pessoa que quer dar o primeiro passo ou que já deu
o primeiro passo e continua suspenso no instante de pânico anterior ao
segundo: se agarre com aquilo que te move e não solte por nada. Eu gosto
muito de um texto de Torquato Neto, em que ele destila todo veneno do
signo dele dizendo que ser poeta (mas pra mim ser músico também): "é o
risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar
sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem
e explodir com ela." Se não for pra ter medo e coragem de que vale
fazer não é mesmo?!
Como você conheceu aqui o nosso projeto Recife Lo-Fi?
Foi
ainda na época do Projétil Kamikaze, um dos integrantes da banda:
Carlos Nascimento me falou sobre as coletâneas. Eu não conhecia nada
sobre o processo de produção lo-fi, estávamos às voltas com uma gravação
em estúdio... mas depois que eu comecei a mexer com zine e outros tipos
de produção independente passei a me interessar mais. Aí fui sacar mais
profundamente, isso quando eu já estava pensando numa carreira solo.
Quando em janeiro desse ano eu lancei meu quarto trabalho lo-fi, o
primeiro de canções, tive o prazer de ter uma das faixas entre os
excelentes trabalhos da edição 2017. O Recife Lo-fi é antes de tudo um
sinal de reconhecimento pra quem mexe com esse tipo de produção. Uma
iniciativa muito importante de incentivo num cenário que nem sempre dá
atenção.
Como tem sido a recepção do público com o seu trabalho?
Meus
trabalhos anteriores estavam presos aos espaços virtuais, ano passado
lancei uma trilogia no bandcamp e já havia acumulado 47 faixas no
soundcloud, mas nas minhas apresentações eu me limitava a fazer versões
de canções da mpb, era o espaço que eu tinha. Quando lancei o Aparicíon
em Janeiro isso mudou. Além de participar da coletânea e da festa de
lançamento do Recife Lo-fi, me apresentei em Goiana na Mostra Íntimos já
com o repertório do disco e no projeto Terças de Burburinho. Tenho
recebido retornos positivos, percebo o som chegando nas pessoas. Fiz
várias apresentações totalmente autorais ao longo do ano e ainda tenho a
satisfação de ter um trio de músicos muito competentes e entrosados me
acompanhando: Anderson Silva (guitarra), Ksandro Azevedo (baixo) e Nando
Zé( bateria e percussão) eles tem contribuído imensamente pra que as
canções cheguem, os shows funcionem. É uma parceria a oito mãos que me
alegra muito. Temos achado caminhos interessantes e isso tem se
refletido de maneira muito legal na resposta do público.
Você já falou sobre suas influências, mas além delas, o que você tem ouvido ultimamente que possa nos indicar?
Voltei
a escutar o álbum "Água Batizada" do Negro Leo, ele soltou um trabalho
novo esses dias, mas ainda não me desliguei o suficiente do anterior pra
sacar esse. Também gosto do perfil de Arubu Avoa no bandcamp, é um
mineiro que mora em SP, ele sacou meu som e trocamos umas ideias via
e-mail rs... desde então tenho acompanhado o som dele. Tô ouvindo o
disco mais recente lançado há três dias "Agouros para Radioteléscópio".
As últimas coisas que eu fiz se aproximam dele pela agressividade, pela
brincadeira com coisas surreais, ruídos, desconfortos, poesia dos
desconfortos. O que é/ O que não é música. Tenho tentado e pensado
nisso. Agora uma descoberta que nem é tão recente, mas está sendo
absolutamente novidade e arrebatamento pra mim: Kadhja Bonet, uma
cantora maravilhosa da califórnia, seu disco:The visitor de 2016 é um
acontecimento. Ela fez uma versão de "Francisco" - um tema instrumental
de Milton Nascimento - que é simplesmente de emudecer. Ah e sempre volto
ao Almeijão de Matheus Mota e ao Macaxeira Fields de Alexandre Andrés.
São propostas bem distintas, mas que eu admiro bastante. Há um pensar o
arranjo/ as melodias no som deles que muito me atrai. Tem também o novo
trabalho de Fábio Tris "Sol Velho, Lua Nova" que eu achei muito bonito.
ah e também o disco novo do Hamilton de Holanda Quinteto - Casa de Bituca. Um trabalho primoroso.
Quais são seus planos para o futuro?
Tenho
feito muita música, tem muita coisa antiga e inédita esperando sua vez.
Uma trilogia de música experimental que eu comecei com o álbum "qui
tolis, vulnere" e em breve vai ter sua segunda parte. Umas ideias com
audiovisual, trilhas. Esses são os projetos solitários. Ainda tem muita
parceria acontecendo e o ciclo do Aparicíon que eu quero fechar com um
grande show. Além disso estou em processo de pré-produção para o
primeiro trabalho de estúdio com o trio que me acompanha. Os quatro
produzem. É um trabalho duro de elaboração de arranjo, planejamento e
criação que tem se estendido por várias semanas. Dessa vez o acústico
dará lugar ao elétrico e à uma atmosfera mais ligada ao jazz, ao blues,
ao rock e ao progressivo. Posso dizer que tem muita novidade chegando.
Se você não fosse Jonatas Onofre, quem gostaria de ser?
Não
sei... acho que já é um perigo imenso ser Jonatas Onofre, se fosse
possível ser outra coisa talvez um pássaro ou um peixe.
A quem você desejaria que o seu trabalho chegasse?
A
toda gente que estiver aberta ou não. A quem vai curtir ou não. Eu
sempre imagino uma conversa em que o lado mais eloquente fica calado,
esse lado que diz mais em silêncio pra mim é o lado dos ouvidos. Ele não
tem a menor obrigação de me responder e muito menos de me gratificar. É
o que eu tenho aprendido. Respeito isso, mas antes não era assim: eu
ainda me frustrava. Hoje coloco as coisas no mundo na esperança de que a
canção, o poema ou seja lá o que for escape do círculo minúsculo e
insignificante da minha vida para alcançar outros lugares, os lugares
dos outros e dialogar com as outras dores, alegrias, frustrações e
descobertas. Isso pode soar bem ingênuo embora passe longe de alguma
idéia de salvação, mas é algo em que eu deposito toda minha força.
Agora por último, mas não menos importante. Se você pudesse comer apenas um único prato pelo resto da vida, qual seria?
O miojo gourmet que eu fazia e não posso comer mais.
Mas se não pode mais comer não pode ser esse! :)
É sério, tô pensando... Então vamos pro extremo oposto: cuscuz com banana verde no curry
(sem deixar de ser gourmet).
Você sabia que a quinta edição da coletânea já tá no ar?! Clica aqui pra ouvir!
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